domingo, fevereiro 06, 2005

O caminho

Da alta campina enxergo o caminho pedregoso diante de meus olhos, o caminho que trilharei, e que fica entre as altas montanhas, nos vales secos de uma terra empoeirada. Sigo o caminho feito por outros que num passado, talvez distante, andaram por esta mesma via sacra da vida deteriorada, em busca do descobrimento de um vale verde e fértil bem ali, após as montanhas de pó e de tristeza, em busca da razão do seu destino incerto. Como se fosse em romaria, busco uma catedral cravada no deserto que é minha vida, onde posso descansar, beber água viva e limpar a minha alma. "A vida é curta", já se dizia assim no passado, cheios de incertezas vadeamos por aí, nossa vida é andar, trilhar o mundo em busca da paz, meramente almejada pelas almas cansadas do viver, quem sabe um dia encontraremos uma estrada que nos leve à um mundo esplêndido, que nos leve à um simples momento de grandeza e que nos faça esquecer, nem que seja por um momento, nosso triste passado, nosso presente incompreendido e nosso futuro incerto.
Descendo o vale vou adiante, seguindo por uma pequena estrada de terra, passo por casas abandonadas, árvores floridas, porém espinhosas, passo por pessoas mais mortas que eu, e que ainda conservam um simples sorriso para um andarilho desconhecido, adiante distinguo pedras e estrada... estrada, casas destelhadas, e mais estrada. Olho para o céu, infinito azul, enorme presente de Deus para os fiéis em suas jornadas pela terra, neste momento sinto minha vista cansada escurecer, por um momento pensei que iria permanecer no chão após a queda esperando os abutres bicar minhas duras carnes, mas passageiramente me restabeleço do susto, não seria um susto morrer nesta minha idade sem graça, pois qual a graça que um velho inútil pode ter, neste mundo de Deus? Porém, ao me levantar do chão me deparo com uma linda paisagem verdejante, antes arruinado, o vale pedregoso se transforma num lindo campo florido, repleto de árvores frutíferas, no lugar do leito seco de um rio, o mesmo que usava como caminho, agora um remanso de esplendorosa beleza mística, com seus peixes nadando em águas semicristalinas, seixosas e ondulantes as águas graciosas desciam o caminho caudaloso com preguiça e destreza. Andando com admiração sem saber como cheguei àquele lugar, fiquei me perguntando se eu morrera em decorrência do escurecimento de vista, sim, obviamente eu morrera e estou no paraíso dado por Deus para os humildes de alma e coração, estava feliz para rever, se possível, meus queridos de outra vida, pais, amigos e parentes.
Percorrendo o leito caudaloso do rio, sigo em busca de pessoas, semelhantes, provas vivas que confirmam que realmente estou no paraíso, mas, mais adiante na curva de rio, sem nada encontrar, me deparo com uma capela, pequena capela, de aspecto conservada, branca e azul nos detalhes, simples mas bem cuidada, prova que alguém a conservava muito bem, atravessei a nado o rio e me encontrei diante do singelo templo, atirando o chapéu ao chão entro irresoluto, dentro uma telha furada logo acima do altar deixa transpassar uma luz que diretamente ilumina uma cruz, não uma cruz qualquer, mas uma cruz símbolo da vida e não da morte, como a cruz carregando Cristo com sofreguidão, arrepios me sobem a espinha, não sei se medo ou emoção, um sentimento de fuga e ao mesmo tempo de permanência me sobem à cabeça, resolvo compartilhar com aquele momento único em toda minha vida de incidentes, agora percorro os vãos do templo cristão, que por dentro se revelam bem maiores do que vistos por fora, choro emocionado por sentir pela primeira vez uma felicidade extremamente verdadeira em toda minha vida, uma felicidade que vem do coração, e me julgo alguém importante, neste momento fui feliz como ninguém jamais foi... Indo a uma janela fechada, eu caminho por quadros de imagens bíblicas, observo-as e me lembro das histórias que mamãe me contava sobre Moisés e o povo de Israel, lembro-me de quando Davi se tornou rei em sua infância, me lembro ainda de João Batista pregando no deserto, e de fragmentos de muitas outras histórias que mamãe antes de dormir me contava com amor.
Abrindo a janela me deparo diante do rio, assustado descubro o leito seco e pedregoso do remanso, o caminho que antes eu percorria, antes de me julgar morto, assustado olho com precaução ao redor da igreja, acabada, abandonada, suja, destelhada e arruinada, meu choro agora de medo e horror me faz desesperar, me faz perguntar onde está o vale florido e repleto de árvores, me faz questionar o paradeiro das águas do rio, me faz querer saber onde está o asseio da capela em que me encontrava. Desesperado eu procuro a luz mística que atravessava a telha quebrada iluminado a cruz da vida, logo me defronto com uma cruz feia, com um Cristo feio pregado com estacas verdadeiras, a luz misteriosa permanecia no mesmo lugar em que uma telha quebrada resistia a intempérie, uma telha vencedora, uma das últimas que ainda estava no seu devido lugar, a mesma luz só que com um foco diferente, com um sentido assustador. Perdido em meus devaneios enlouqueço, inicio meus anseios de velho em terminar de arruinar o pouco que me resta de vida, acabei com tudo que as minhas forças permitiram, usando o madeiro de um Cristo que ainda lutam em deixa-lo crucificado. Assim creio que acabei morrendo, exaurido por minha falta de vontade de persistir com a minha loucura, sem forças permaneci estirado ao chão por um eterno momento, esquecido por mim mesmo ...

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